Superar-nos todos os dias

Juventude Masculina – Profissionais

Testemunho de António Sales Delgado

Testemunho de António Sales Delgado

Fez já mais pouco de um mês desde que se celebrou o jubileu e encontro dos 75 anos do 3º marco histórico de Schoenstatt, no Santuário da Bellavista no Chile.

Sinto-me ainda lentamente a colher os frutos deste encontro e a assimilar cada conversa, partilha e oração que nele teve lugar.

Para muitos de nós, vítimas de uma espécie de maldição geracional, saltamos de evento em casamento, de batizado em festa, de viagem em jantar e cedemos ao risco de tornar tudo isto que vivemos numa inesgotável lista de tarefas. Vejo-me muitas vezes a pensar no que preciso de preparar para o próximo evento quando ainda nem sequer me levantei da mesa do de hoje. Corremos o enorme perigo de nos anestesiarmos com tanto programa, deixando pouco espaço para rezar o necessário a extrair de cada um.

O tempo urge. Urge tanto que chegamos a um ponto em que o futuro deixa de ser uma agradável esperança, e a alegria passa a ser reservada apenas para as memórias do passado. E aí damos por nós a desejar reproduzir a vida ao contrário. Em reverso… à procura de reviver aquilo que sabemos que foi tão bom. Erroneamente acreditando que nunca iremos experienciar algo tão bom ou melhor. Mas que falta de Espírito Santo! Se há coisa que a Igreja Católica ensina é que Cristo não é um meteorito que caiu há 2 mil anos e do qual vamos tirando amostras para estudo, de forma a obter dados do que aconteceu, aqui e ali. Como que se tratasse de um artefacto milenar, ultrapassado e contextualizado apenas naquela época.

Cristo não está lá ao fundo na fronteira do início da contagem do calendário. Cristo está aqui mesmo, vivíssimo! E que enorme graça tê-Lo mais presente que nunca. É preciso assimilar isto: que graça tê-Lo presente em mais sítios deste mundo, hoje, do que quando pisou o chão de terra na Judeia em 30 d.C.

A peregrinação ao jubileu no Chile foi isto para mim. Uma constatação que Deus nunca se vai cansar de me renovar. Na verdade, nós é que tantas vezes nos cansamos de perceber isto. De querer ver. Quantas vezes caímos na preguiça de pensar que isto ou aquilo não nos trouxe nada de novo. Que já ouvimos esta história antes, que o encontro com pessoa tal não acrescentou nada, que já vimos esta vista ou que ouvimos conselhos que para nós não são novidade. Mas creio que é precisamente aí que Deus nos fala. Explico. Uma das músicas que acompanhou diversos momentos do Jubileu, um original escrito pelo Pe. Juan Ignacio Pacheco, intitulada “Como antes más que antes”, e dirigida ao Espírito Santo, fala disto. O Espírito renova é certo. Mas renova ao fazer novas as coisas que cada um de nós já traz. No caminho da santidade é errado esperar uma graça santificante que nos vá imbuir com novos traços de personalidade e atributos que até então nos eram desconhecidos. Não é assim que funciona. É antes o facto de que, a graça vai atuar para aperfeiçoar a natureza. Para fazer o que ali já estava, melhor do que o que já era. Parecido a antes, mas mais que antes.

E a Missão do 31 de Maio é isto. A ida ao Chile ensinou-me a rezá-la. Esta procura concreta de uma santidade heroica, em que não há nunca um baixar de braços. Em que não há uma altura da vida em que estamos autorizados a descansar no plateau da curva. Aquela típica cedência à felicidade das boas memórias que marcam o nosso passado enquanto ligamos o auto-piloto para o que ainda temos pela frente. Mas não. Ser sal não é isto. Não pode nunca ser. O superar-nos todos os dias não tem dias de descanso! Não há cheat days. É mesmo todos os dias. Seja aos 12, aos 30 ou aos 79 anos de idade. Porque a novidade de Cristo é tão nova hoje quanto era há dois mil anos. Porque a juventude de Maria não teve prazos.

No filme “Paixão de Cristo”, o argumento original de Mel Gibson contempla uma parte paralisadora, quando a cruz é carregada no Calvário e existe um encontro com Nossa Senhora. Apesar de ser uma fala fantasiosa, por ser uma interação inexistente nos Evangelhos, o argumento incluiu o «Eis que faço novas todas as coisas» (Apo 21, 5), adaptando-o para uma breve fala proferida por Jesus, quando os Seus santos olhos, cobertos de sangue, encontram os de Maria na multidão. “Vê Mãe, como faço novas todas as coisas”, diz. Sempre achei tanto genial quanto arrepiante (no bom sentido), a teatralidade deste momento. Que bem colocado foi. Só Deus feito-Homem consegue colher todo o desespero, miséria e corrupção e dar-lhe uma nova vida. Até então o sofrimento era desprovido de sentido, e a esperança tinha prazo de validade. No entanto, é Jesus a única coisa que corresponde às verdadeiras exigências do nosso coração. Alguém que finalmente oferece uma renovação total de todas as coisas, ao resgatar o valor em tudo aquilo que vivemos. As situações boas, más, iguais, parecidas ou enfadonhas. Sublinho: somos nós que nos cansamos de procurar nelas o seu sentido. Assim, dou graças ao tempo no Chile por ter sido testemunho vivo da renovação contínua que Deus oferece.

Com o fim do ano letivo e a entrada do verão, talvez seja este um tempo para rezar os pequenos programas que vamos tendo, com o objetivo de fazer mais do que apenas os viver, mas encontrar neles um profundo valor de transformação pessoal, que por vezes permanece escondido. Estar vigilantes contra esta dormência espiritual. Não há manutenção sem esforço. É preciso pedir a Maria que nos aponte um holofote interior para podermos encontrar Cristo na realidade constante das nossas vidas. E tudo fazer por Eles. Porque «por eles me santifico» (Jo 17, 19).

António Sales Delgado, Profissional – Juventude Masculina